Lucas, do Brasil

Alcancei o topo do mundo no esqui alpino com a Noruega. Quero fazer história, agora, pelos brasileiros

Lucas Braathen em depoimento a Beatriz Cesarini Do UOL, em São Paulo

Eu sempre quis escrever uma história grande no esporte, fazer diferença e influenciar positivamente a sociedade, assim como meus ídolos do futebol. Já fui bicampeão mundial júnior e conquistei a Copa do Mundo de esqui alpino recentemente, mas não senti a felicidade plena. Queria algo além dos troféus. Decidi me aposentar aos 23 anos.

Muitos estranharam, afinal eu era muito novo e ainda tinha muito a fazer pelo esqui. Voltei atrás cinco meses depois, quando um caminho singular surgiu: defender as cores do Brasil, o país da minha mãe. Era a chance de escrever uma história e levar a bandeira das minhas origens ao topo do esporte de inverno.

Nada mais justo. Foi no Brasil que o meu amor pelo esporte nasceu, jogando bola nas ruas de São Paulo com os meus primos na infância. Só cheguei ao esqui alpino porque tive essa experiência. Agora, eu represento 215 milhões de pessoas que podem se apaixonar pelo esporte de inverno e entender que tudo é possível, não importa de onde você é.

Sempre vai aparecer um esquiador novo na Noruega. Mas não é sempre que vai surgir no Brasil, não é? Prazer, o meu nome é Lucas Pinheiro Braathen, mas podem me chamar de Lucas do Brasil. Como costumo dizer: "Vamos dançar!"

A mistura do Brasil com a Noruega

Parece roteiro de filmes clássicos de comédia romântica, mas é real. Meu pai, o Bjorn, veio ao Brasil a passeio nos anos 1990 e trocou olhares com a minha mãe Alessandra no aeroporto, em São Paulo. Os dois embarcaram no mesmo voo para Miami, nos Estados Unidos, e, acreditem ou não, sentaram-se lado a lado.

Eles até brincam que Deus participou dessa obra do destino e ficou lá com eles no avião. Dez horas em poltronas grudadas bastaram para o primeiro beijo acontecer. A paixão foi arrebatadora e minha mãe se mudou para a Noruega para viver esse amor com meu pai.

Foi assim que eu nasci em Oslo, no dia 19 de abril de 2000.

Amor pelo esporte surgiu no Brasil

Eu nasci na Noruega, mas nunca deixei de visitar o Brasil com a minha mãe. Durante as férias, eu jogava futebol com meus primos nas ruas de São Paulo e, quando voltava para Oslo, continuava praticando. Meus olhos brilhavam em todos os momentos em que via o Ronaldinho em campo. Queria ser como ele.

O problema é que nos períodos de inverno na Noruega, qualquer atividade como o futebol era cancelada por causa das nevascas rigorosas. Meu pai, então, me convenceu a praticar o esqui alpino aos nove anos de idade. No começo, eu não gostava, sentia muito frio e as botas apertavam, mas depois eu comecei a pegar jeito no slalom - uma categoria extremamente técnica, que consiste numa descida cheia de zigue-zagues na neve.

Passei a competir e, em 2018, subi ao pódio pela primeira vez no Campeonato Norueguês. No ano seguinte, conquistei duas medalhas no Mundial Júnior. Eu costumo usar o meu lado brasileiro para fazer diferença, pensar fora da caixa e encontrar jeitos novos de esquiar durante os treinamentos e competições.

Minha carreira decolou no esporte de inverno, mas não esqueci do futebol, o grande responsável pelos meus troféus na neve. Por esses dias, quando estive no Brasil, fui lá no estádio torcer pelo São Paulo, meu time do coração.

Por que decidi largar a aposentadoria e defender um país tropical

Subir ao pódio e conseguir títulos importantes no esqui alpino não foram suficientes. Eu queria transcender o esporte, me tornar uma inspiração assim como os meus ídolos: Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho, Neymar. Eu acredito que eles foram maiores do que o esporte que praticam, entende?

Assim que me tornei campeão do mundo com a Noruega no ano passado, parei e pensei: "Eu quero contar uma história maior. Eu quero ter voz para exaltar coisas que tenham mais importância do que o resultado de uma competição". Defender o Brasil, que é um país tropical e, portanto, sem tradição no esporte de inverno, poderia ser um caminho. Essa possibilidade sempre esteve na minha mente.

O vazio no meu coração após o título se uniu à insatisfação com a federação norueguesa de esqui. Não me sentia livre e decidi largar o esporte em outubro de 2023 para abraçar minhas outras paixões: música, arte, moda. Cinco meses depois, a chance de defender as cores da bandeira brasileira apareceu.

Não pensei duas vezes. Agora, vou poder aparecer nas páginas dos jornais brasileiros e meu vovô Alberto e minha vovó Marcia vão poder celebrar o neto deles.

Brasil vai amar o esporte de inverno

Há uns 10 anos, eu tento explicar aos meus familiares aqui do Brasil o que é o esqui alpino slalom. Não é fácil, gente. Eu sempre mostro vídeos, mas eles não entendem o tamanho desse esporte, que não é televisionado com frequência aos brasileiros. Claro que depois que me tornei campeão do mundo, passaram a assimilar melhor a dimensão.

Isso se reflete na maioria da sociedade brasileira. Passar a competir com a bandeira verde e amarela e levar mais de 215 milhões de pessoas para deslizar comigo na neve é a oportunidade de mudar esse cenário. Muitos torcedores noruegueses ficaram tristes com a minha retirada, mas vários se empolgaram com a ideia de popularizar o esporte de inverno num país tropical.

O maior objetivo de tudo isso é mostrar que tudo é possível. Quero virar uma inspiração para as próximas gerações, uma espécie de embaixador que leve as pessoas a conseguirem percorrer o caminho que desejam. Quer praticar esporte na neve, trabalhar com música, arte? Vai! Não importa de onde você venha.

Pão de queijo, guaraná e churrasco

Eu sigo um certo ritual gastronômico quando estou no Brasil. Assim que desembarco, paro no primeiro café para pegar um pão de queijo com guaraná. É sempre a primeira refeição aqui e isso é muito importante para mim.

O primeiro jantar é um churrasco. Fica difícil até para dormir, só que não consigo resistir à tradição que criei. No dia seguinte, eu parto para o açaí com direito a leite condensado e leite Ninho. E por aí vai: todos os dias procuro matar a saudade da culinária brasileira: brigadeiro, água de coco, guaraná.

Não é tão bom para um atleta de alto rendimento, mas é uma delícia. Todas as vezes que retorno à Noruega após a visita ao Brasil, eu preciso intensificar meu programa de treinamento, já que volto gordão, sabe? E eu não sei o que fazer, porque quando vejo brigadeiro, pão de queijo e tudo aquilo na minha frente, eu preciso comer.

Tenho fome de ouro

Já estou me preparando para os Jogos de Milão em 2026. Eu quero trazer o primeiro pódio de Olimpíadas de Inverno para o Brasil, quero escrever essa história. Sei que é difícil, vai ser uma briga boa, mas estou preparado. Eu nunca voltaria para o esporte se não fosse para ganhar.

A responsabilidade é grande. São 215 milhões de pessoas e não 6 milhões como na Noruega, que tem metade do tamanho de São Paulo. Sei que é difícil, mas eu sou fã de desafios e adoro o gosto da medalha de ouro. Agora, eu vou trabalhar todos os dias para chegar lá com a bandeira brasileira no peito e trazer essa grande conquista.

Minha História

Os Jogos Olímpicos de Paris estão se aproximando e, para marcar essa contagem regressiva, o projeto Minha História, do UOL Esporte, em que grandes nomes do esporte nacional contam, em suas palavras, o que viveram para chegar ao topo, vai levar até você relatos dos grandes nomes do esporte brasileiro.

Muita história boa foi contada neste projeto, revelações foram feitas e vem muito mais pela frente. A ideia é unir as experiências das pessoas no esporte com temas de interesse geral da sociedade, abrindo a porta para o debate e para a reflexão. Embarque com a gente nesta viagem para Paris. Au revoir.

+ Minha História

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